São Paulo, final do Século 19.
Lineu Maciel (Altair Lima) mal podia acreditar no que via: nas mãos tremulas do parceiro de poker, quatro ases. Lentamente correu os olhos ao redor e, de repente, sentiu-se só, isolado, abandonado. Todos o olhavam fixamente, friamente. Lineu percebeu que ninguém queria perder um instante sequer do espetáculo: o homem mais abastado da cidade de São Paulo acabava de perder no jogo até o último tostão.
Numa fração de segundo, Maciel compreendeu a desgraça que ele próprio provocara.
Sentiu que a mão alva que o acariciara até então, que lhe alisara os cabelos, que ele beijava entre uma jogada e outra, tornava-se leve, escorregava pelo ombro e já não se fazia mais sentir.
Maciel não precisou olhar para se certificar de que também ela o abandonava.
Fez um esforço para se controlar.
"Um Maciel não pode demonstrar fraqueza", pensou.
Levantou-se.
"Preciso de umas semanas".
Na voz de Maciel aquelas palavras soaram como pedido de condescendência e como explicação. O parceiro entendeu e fez que sim.
Maciel teria que vender tudo para pagar a dívida que acabara de contrair — o que exigia um certo prazo.
Maciel sempre pagava suas dívidas.
Não se despediu de ninguém e nem olhou para a companheira daquela noite. Simplesmente apanhou o chapéu, dirigiu-se para a porta, ganhou o corredor, desceu as escadarias, atravessou o saguão do hotel e entrou na carruagem.
O porteiro bateu a porta e fez sinal ao cocheiro, que cochilava. Mesmo sem ver o passageiro, o cocheiro entendeu. Estalou no ar o chicote e os cavalos arrancaram.
Maciel fechou as cortinas da carruagem para evitar o clarão intermitente dos lampiões de gás.
Eram cinco horas da manhã. Pediu ao cocheiro que andasse pela cidade. O cocheiro tomou a direção da Sé. Havia chovido à noite. O ar frio entrava pelas frestas das portas e janelas da carruagem. A cidade começava a acordar. Os bondes, puxados por cavalos, já trafegavam. Carrocinhas de padeiros espalhavam pelas ruas e o cheiro bom do pão fresco já exalava. Quase ao mesmo tempo se fizeram ouvir vários sinos. Pelo ritmo das badaladas e pelo timbre se podia distinguir os sinos da Igreja da Sé dos da Igreja da Misericórdia. Do outro lado vinha o badalar dos sinos da Igreja de Santa Efigênia e, mais fraco, vindo de mais longe, o da Igreja do Seminário, na Luz.
Alheio ao que se passava, Maciel recordava os últimos tempos, os mais agitados de toda a sua vida de 48 anos.
Continua...
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· As imagens deste capítulo não são cenas da novela, são meramente ilustrativos;
· Capítulo extraído da coleção "Telenovelas Famosas" com original de Ivani Ribeiro, adaptado por Saveiro Jr.